14 de fevereiro de 2010

A poética televisual de Samuel Beckett

Livro da autoria de Gabriela Borges

Apresentação no Pátio de Letras no dia 27 Fev, às 17h:
leitura dramática de excertos de uma peça de Beckett pelo Prof. doutor António Branco (actor e professor da UAlg); exibição comentada de uma peça de Beckett para televisão.

(clicar na imagem para aumentar)


Este livro discute a poética televisual de Samuel Beckett elaborada a partir das suas experimentações em diversas mídias e apresenta uma análise estética e intersemiótica das tele-peças e das transcriações das peças de teatro para a televisão. Além de ter proporcionado a Beckett a possibilidade de expressar o seu olhar estético por meio das formas que criou, a tecnologia televisual se abre para experimentações e indagações a respeito de seu potencial expressivo e artístico. A arte pode trazer vida inteligente para a televisão, as tele-peças de Beckett mostram que existem imagens que, uma vez criadas, podem forçar os limites do constante enquadramento e reenquadramento do domínio tecnológico. Com isso, a tecnologia se abre para o mistério da arte e para um novo saber fazer da técnica que seja poético.

Recensão por Josette Monzani:

Neste belo livro de Gabriela Borges temos um Beckett exposto. Sim, porque a autora nos apresenta, juntamente com sua arguta análise, o fazer constitutivo da estética televisiva do autor.
Praticamente desconhecido do público brasileiro, posto que nunca divulgado ou publicado aqui, esse material de trabalho beckettiano mostra-se rico e útil para todos aqueles que pensam a TV – seu modo narrativo, segundo um molde inteligente.
André Bazin, ao comentar o trabalho de Tati, disse que “jamais, sem dúvida, o aspecto físico da palavra, sua anatomia, havia sido posto tão claramente em evidência”. Podemos, sem dúvida alguma, estender essa colocação, no caso de Beckett, aos modos vários e inusitados de dispor os elementos que compõem a linguagem da TV. A carnalidade do constructo televisivo é por ele desnudada de forma criativa, instigante.
Pensa-se Beckett e pensa-se a TV. Gabriela Borges, com este estudo, preenche uma lacuna no nosso conhecimento das inúmeras ‘buscas’ empreendidas no campo das artes audiovisuais pelo grande romancista e teatrólogo, com uma leitura atenta aos múltiplos caminhos por ele percorridos, aqui dispostos à espera de novas reflexões.

CV de Gabriela Borges:

É mestre e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Foi investigadora visitante na Universidade Autônoma de Barcelona, no Trinity College Dublin e na Universidade do Algarve, Portugal, onde realizou pós-doutorado no Centro de Investigação em Artes e Comunicação e actu como investigadora e professora. Tem capítulos de livros e artigos publicados em Portugal e no estrangeiro e organizou com Vítor Reia Baptista o livro Discursos e Práticas de Qualidade na Televisão (2008).

texto de apresentação da obra Viagem Através da Luz, de José Vieira Calado, efectuada no «Pátio das Letras» a 17-01-2010)

por


José Carlos Vilhena Mesquita



Com a chancela da prestigiada Papiro Editora acaba de vir a público mais um livro de poesia de José Vieira Calado, poeta consagrado de que o Algarve, especialmente a cidade de Lagos, muito se orgulha. A obra intitula-se Viagem através da Luz, e inscreve-se naquilo a que podemos designar por poesia experimental, uma via mais no recente trajecto do pós-modernismo lírico. O livro é, em si mesmo, uma unidade poética, constituída por um único poema, repartida por vinte e nove fracções, digamos assim, cujo tema principal é a Luz sideral e o universo cósmico, cujos versos pretendem conduzir o leitor numa inebriante viagem através do espaço celeste. Em todo o caso, é bom que se diga, o livro não é uma obra de ciência, mas de poesia, nem é tão pouco um repisar dos caminhos desbravados por António Gedeão, quando transformou a Física e a Química num objecto poético, formando um novo estilo lírico que se poderia designar por poesia-científica. Não, este é um livro muito diferente, tanto na abrangência temática como na extensão unívoca do poema, sendo que apenas existem algumas similitudes na dimensão da mancha poética. Nas suas fraquezas e virtudes, este livro é bastante inovador, não só como peça de arte mas também como peça literária, sendo que na sua formulação diegética até parece mais próxima da primeira do que da segunda. E isto em nada deslustra a qualidade e valor desta obra.

A ninguém hoje assalta a dúvida de que a poesia de Vieira Calado está indubitavelmente ao nível do melhor que neste país se tem dado a público no sublime prelo de Orfeu. Conheço o poeta, e a sua obra, há mais de trinta anos e o que acabo de afirmar não é um exagero de amizade nem de admiração, mas tão só a simples constatação de um processo de vida literária, marcado pelo aperfeiçoamento e depuração das qualidades criativas do seu estro poético. Mas essa viagem de progressiva qualidade tem-se demonstrado não só na sublime concepção estética em que se inflamam os seus poemas como, muito especialmente, na sua idealização lírico-filosófica. Essas qualidades, convenhamos, não estão ao alcance de todos os poetas, mas tão só dos mais qualificados, criativos e inspirados. E nos seus poemas, como aliás na maioria das obras de arte consideradas de superior qualidade, nota-se que a inspiração poética não é repentina nem flamejante; bem pelo contrário, é pensada e exaustivamente reflectida, é ponderada e sopesada nos mais elevados valores e conceitos da estética e da metafísica filosófica.

Esta Viagem através da Luz é a mais recente produção de Vieira Calado, no contexto de uma obra de vasta dimensão, com dezassete títulos de poesia e três de prosa. Pela sua insistência e quantidade, pode afirmar-se que Vieira Calado é acima de tudo um poeta, no mais sublime e exigente que essa qualificação encerra, ainda que como prosador – e aqui relembro o seu belíssimo e enternecedor livro Merdock, sobre um simples cão que personificou os ideais de liberdade e agitou a academia farense nos anos cinquenta – se deva também considerá-lo como um escritor, a quem o ensaio literário e o estudo científico não são igualmente estranhos.

Neste livro vislumbra-se o plectro de Orfeu, mas num patamar muito superior ao que se costuma ver no contexto poético algarvio. Aqui a palavra supera o sentido meramente estético do verso poético, pelo que o parnasianismo da ortodoxia lírica que enforma a maioria dos poetas algarvios contemporâneos, está absolutamente distante, e diria até que totalmente fora dos horizontes poéticos de Vieira Calado. Mesmo se remontarmos aos seus dois primeiros livros, publicados ainda numa poesia “imberbe”, vemos que os seus versos são pujantes gritos de revolta contra a opressão salazarista e a privação das liberdades e garantias, em que se sustentava a obscenidade plutocrata do capitalismo vigente, afinal de contas problemas que hoje absurdamente se repõem num regime de liberdade e de democracia plena.

Em todo o caso, e retomando o fio crítico, a poesia de Vieira Calado, desde o seus primeiros vagidos poéticos que se assume nos antípodas estéticos aos cânones ortodoxos da poesia clássica e aos tradicionais figurinos líricos que enformam a nossa poesia desde os heróicos modelos do Romantismo e dos bucólicos tempos do Naturalismo até aos difíceis da anos resistência neo-realista. Foi na alvorada dos anos sessenta que os moldes clássicos da criação poética foram absolutamente implodidos, quando ainda ninguém imaginava possível a eclosão da grande revolução social do Maio de 68, cujos ténues sinais já se vislumbravam, mas que só foram possíveis através dos crescentes sinais de mudança e de contestação juvenil, que uma emergente geração nova fazia desfraldar aos ventos a bandeira da liberdade, cortando as cadeias que manietavam o pensamento e amortalhavam os redentores ideais do Mundo Novo.

Os poemas deste livro giram em torno duma espécie de viagem cósmica impulsionada à velocidade da luz pela força da palavra. A ideia incomensuravel do universo físico está patente neste livro através da persistente alusão aos seus elementos constituintes, com particular acinte na luz solar, fonte e gérmen de vida, nos astros que integram o nosso sistema astronómico (estrelas, cometas, planetas, quasares), assim como nas figuras que compõem o nosso universo mítico, como a fénix, a cobra alada, a pedra filosofal, os grifos das trevas e os cavaleiros do apocalipse, os mitos da Esfinge, de Andrómeda e de Prometeu, enfim toda uma panóplia de aparente fantasia científica, que aqui é tratada e transmitida de forma etérea na volatilidade do verso poético.

Os poemas deste livro giram em torno da palavra filosófica, das imagens metafóricas surrealistas e da estética pós-moderna. Paradoxalmente estes poemas não estão titulados, porque não existe um tema específico para cada um deles. Na verdade são incursões nas profundezas do inconsciente, que se reflectem num encadeamento de ideias e de figurações do irreal, que sensibilizam esteticamente o leitor ara novas concepções tropológicas. O poeta não escreve a pensar no leitor ou em que o possa interpretar. Por isso não me parece que estes poemas se possam considerar acessíveis a todos, mas antes, e sem desprimor, só para alguns, certamente para os mais inteligentes e mais aptos, que são os únicos capazes de interpretar e desfrutar das ideias do poeta, algo etéreas mas profundamente ontológicas nesta Viagem através da Luz.

No fundo, todo o livro constitui uma viagem, um trajecto de quadros cenáticos que se sucedem e se engastam de forma lógica para a constituição de um todo. Isso não acontece num livro de poesia, onde cada poema é uma viagem, é um itinerário de ideias e de alegorias que enlevam o pensamento do leitor numa inebriante mensagem de sentimentos, de emoções e de sensações estéticas.

Nesta Viagem através da Luz não acontece isso, porque os 29 poemas que constituem este livro têm uma relação conjunta, uma complementaridade entre si, e uma filiação global que os transformam num corpo, desarticulado é certo, mas consistente do ponto de vista das ideias e dos conceitos estéticos imanentes. Repare-se no simbolismo da Luz que dá o cerne a este livro e que, por isso mesmo, lhe é omnipresente, mas cuja essência não se consegue apreender, porque a luz vê-se, sente-se e invade-nos o espaço físico, mas não se consegue capturar ou impedir o seu curso natural, porque dela provém a fonte criativa da vida. A Luz neste livro é também a permanência da razão, é o estímulo e a sensação que invade o espírito do leitor, numa impressão inequivocamente etérea e volátil. Acima de tudo, o poema quis atribuir à Luz a ambivalência dialéctica do material e do espiritual. Mas, na verdade, a Luz é o símbolo da imaterialidade, da ilustração e da concepção do espírito, como génio criador da percepção das ideias e dos pensamentos superiores. Por isso, mas também por ser fonte de vida, é que se atribuem sentimentos de sacralidade e de divino endeusamento. No entanto, se a luz do Sol significa a vida, é certo que também traduz a visão espiritual e a inspiração criativa. A luz da Lua, por ser reflectida, simboliza uma forma de conhecimento infundido no pensamento racional e discursivo. Nela cabem a certeza, mas também o mistério. Cabe, portanto, ao leitor escolher se prefere a luz do sol, original e divina, ou a luz da Lua, reflectida, aparente e enigmático. Por mim, prefiro esta, e aprece-me que o Vieira Calado também.

Obras de Fernando Pesoa - PROMOÇÃO Assírio & Alvim (PVP 10 €)

FICÇÕES DO INTERLUDIO


POESIA INGLESA I

POESIA INGLESA II

EDUCAÇÃO DO ESTOICO

PROSA

QUADRAS

HEROSTATO

HORA DO DIABO

CRITICA

CORRESPONDENCIA 1923-1935

CORRESPONDENCIA 1905-1922